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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Byron "no terreno"... 4

Lord Byron

Byron e Hobhouse instalaram-se numa hospedaria para os lados de Buenos Aires, zona residencial importante onde habitualmente se hospedavam  os representantes diplomáticos acreditados em Lisboa, burgueses endinheirados no comércio ou na finança e, naqueles tempos belicosos, os oficiais de comando das tropas inglesas estacionadas na capital. Da colina avistava-se Almada e os montes da margem sul, a amplidão do estuário onde fundeavam navios de todas as proveniências e a superfície ondulante dos telhados que desciam até ao Tejo. No dias seguintes os dois companheiros exploraram as imediações e partiram à descoberta da cidade.

Se se indagar que espécie de convívio Byron terá tido com os habitantes de Lisboa, a resposta passa pelas referências às visitas efectuadas aos conventos da capital. Com efeito, o simples contacto com os transeuntes apenas pode ter dado ao poeta uma ideia sumária da variedade de tipos de humanos que caracterizava a cidade. Desconhecendo a língua portuguesa à excepção de uma  ou outra imprecação obscena que diz ter aprendido, Byron estava privado do instrumento de comunicação que lhe teria permitido formar uma opinião menos superficial sobre os lisboetas. É com o clero do Mosteiro dos Jerónimos e do Convento de Jesus que os dois viajantes conseguem trocar algumas impressões, utilizando o Latim. Ficaram, porém, surpreendidos com a notória ignorância dos monges e Hobhouse regista que um deles, ao mostrar um quadro representando soldadesca munida de armas de fogo e canhões, disse tratar-de de uma batalha na antiga Roma... Mais grave do que a escassez de livros ingleses na bibliotecas monásticas lhes pareceu o facto de vários escritos de enciclopedistas franceses se encontrarem no rol de livros de consulta proibida. Portugal parecia ainda não haver ainda aberto as portas ao espírito renovador do racionalismo europeu.


Hobhouse
Durante as suas deambulações os dois companheiros tiveram ocasião de admirar o traçado neoclássico da Basílica da Estrela, de construção recente, e visitaram o Cemitério Inglês no propósito de prestar homenagem à memória do romancista Henry Fielding, que em 1754 demandara Lisboa e aqui viria a falecer; o tempo e a incúria haviam, porém, apagado vestígios da sepultura, impossível de localizar.

Na parte baixa, ao topo do Rossio, Bayron encontrou o Palácio da Inquisição, cuja influência tinha vindo a diminuir em finais do século XVIII, mas que ainda em 1809 mantinha certa actividade, s´o extinta com a revolução liberal. Um pouco mais a norte, situava-se o Teatro da rua dos Condes, construído no local de um velho pátio que o terramoto arrasara. Nesta sala de espectáculos acanhada e de precárias condições actuavam por essa altura companhias portuguesas  contratadas pelo empresário Manuel Baptista de Paula; sabe-se que Bayron e Hobhouse assistiram a récitas por mais de uma vez, mas, como seria de esperar de espectadores habituados ao nível das encenações britânicas, ficaram com uma impressão muito desfavorável acerca dos nossos actores e mostraram-se escandalizados com os movimentos lascivos de algumas danças.

A passagem de Byron pelos teatros lisboetas ficou, de resto, assinalada por um episódio lamentável que o próprio poeta relata numa nota a "Child Harold´s Pilgrimage":
"Uma vez, quando me dirigia ao teatro, às oito da noite, numa carruagem, acompanhado de um amigo (...) obrigaram-me a parar em frente de uma loja aberta; se não tivéssemos a sorte de ir armados não tenho a menor dúvida de que não teríamos sobrevivido para contar a aventura."
O amigo que com ele seguia era, evidentemente, Hobhouse em cujo diário de viagem se pode ler uma referência ao assalto, datada de 18 de Julho:
"Às nove e meia, fui com Byron numa caleche ao teatro da Rua dos Condes. Fomos atacados por quatro homens, a meio do caminho, regressámos a casa a pé."
Não restam dúvidas que os dois relatos tiveram origem no mesmo facto e a disparidade que se verifica na hora, pormenor irrelevante, pode atribuir-se a uma imprecisão do poeta que escrevia anos depois do acontecimento, enquanto Hobhouse fazia o registo diário de todas as peripécias ainda frescas na memória.

A menos que se admita uma outra cena de violência em Lisboa, a que não há a menor referência nas fontes, a aventura de 18 de Julho deve ter constituído o núcleo factual em torno do qual a fantasia donjuanesca de vários autores teceu a historieta de sabor melodramático que ficou indissoluvelmente ligado à visita de Lord Byron. Certa noite, à saída do Teatro de São Carlos, o poeta teria sido sovado por um marido ciumento, disposto a reabilitar a sua honra ultrajada. Alguns não hesitam mesmo em afirmar que foi esta desagradável experiência que determinou a hostilidade de Byron para com os portugueses nas estrofes de "Child Harold Pilgrimage".

Torna-se muito difícil aceitar esta interpretação simplista da obra e personalidade de Byron e isto por duas razões. Em primeiro lugar, nenhum dos autores que repetem e comentam o episódio se deu ao trabalho de indicar testemunha presencial ou fonte documental que possa abonar a veracidade ou sequer a verosimilhança do facto; e nem nos textos bayronianos nem no diário de viagem de Hobhouse existe o menor indício que possa levantar suspeita sobre devaneios sentimentais do poeta em Lisboa.

Para a sensibilidade byroniana do cavaleiro Haroldo, a passagem por Lisboa constitui uma revelação, ou pelo menos uma confirmação, de que o ideal romântico de vida não era realizável no espaço urbano. Nas estrofes do poema sobre a cidade perpassam as contradições entre a paisagem idealizada do lugar ameno de longe entrevisto e a decepção provocada pelo contacto imediato com a realidade dos locais e dos homens que não souberam aproveitar os dons espontaneamente oferecidos pela obra da Criação. A mais funda motivação do passo parece, pois, residir não nos supostos ressentimentos de Byron mas antes na consciência rousseauista do constante litígio entre a natureza e a civilização que, de resto, constitui um dos temas fundamentais glosados no poema. Defraudado na sua esperança, o protagonista voltar-se-á para os arredores de Lisboa e irá encontrar numa excursão às serranias de Sintra a possibilidade de experiência paradisíaca que a urbe negou.

Voltaremos...

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